Copenhagen, capital da Dinamarca é conhecida por sediar a mais antiga monarquia do mundo, ser a terra dos vikings e de Hans Christian Andersen, que escreveu os contos “A pequena sereia” e “O patinho feio”. Mas na primavera de 1995 dois cineastas em um momento de tédio e iluminação (combinações essenciais para grandes acontecimentos) escreveram um manifesto contra a forma de fazer cinema daquela época. Lars Von Trier e Thomas Vinterberg lançaram o polêmico Dogma 95, que estabelecia o “Voto de Castidade” uma série de regras que impedia o uso de intervenções “milagrosas” para distanciar o cinema da realidade.
Manifesto do Dogma 95.
O Dogma 95 é um movimento de cineastas, fundado em Copenhagem na primavera de 1995. O Dogma 95 tem o compromisso formal de levantar-se contra uma "certa tendência" do cinema atual. O Dogma 95 é um ato de resgate! Em 1960, tivemos o bastante. O cinema estava morto e invocava a ressurreição. O objetivo era correto, mas não os meios. A Nouvelle Vague se revelava uma onda que, morrendo na margem, transformava-se em lama. Os slogans do individualismo e da liberdade fizeram nascer certas obras por algum tempo, mas nada mudou. A onda foi jogada ao colo dos melhores convivas, junto aos cineastas, mas não era mais forte do que aqueles que a haviam criado. O cinema antiburguês tornou-se burguês, pois baseava-se em teorias de uma concepção burguesa de arte. O conceito de autor, nascido do romantismo burguês, era, portanto... falso. Para o Dogma 95 o cinema não é uma coisa individual!
Hoje, uma tempestade tecnológica cria tumulto. O resultado será a democratização suprema do cinema. Pela primeira vez, qualquer um pode fazer filmes. Mas quanto mais os meios se tornam acessíveis, mais a vanguarda ganha importância. Não é o caso que o termo vanguarda assuma uma conotação militar. A resposta é a disciplina...devemos colocar os nossos filmes em uniformes, porque o cinema individualista será decadente por definição. Para erguer-se contra o cinema individualista, o Dogma 95 apresenta uma série de regras estatutárias intituladas "Voto de castidade". Em 1960, tivemos o bastante. O cinema havia sido "cosmetizado" à exaustão, dizia-se. Dali em diante, todavia, a utilização dos "cosméticos" aumentou de modo inaudito. O objetivo supremo dos cineastas decadentes é enganar o público. É disto que nos orgulhamos? É a este resultado que nos conduziram cem anos de cinema? Das ilusões para comunicar as emoções? Uma série de enganos escolhidos por cada cineasta individualmente?
A previsibilidade (a dramaturgia) tornou-se o bezerro de ouro em torno do qual dançamos. Usar a vida interior dos personagens para justificar a trama é muito complicado, não é a "verdadeira arte". Mais do que nunca, são os filmes superficiais de ação superficial que são levados às estrelas. O resultado é estéril. Uma ilusão de pathos, uma ilusão de amor.
Para o Dogma 95, o filme não é ilusão!
Hoje em dia, arma-se uma tempestade tecnológica. Elevam-se os "cosméticos" ao status de deuses. Utilizando a nova tecnologia, qualquer um pode - em qualquer momento - sufocar a última migalha de verdade no estreito canal das sensações. As ilusões são tudo aquilo atrás do qual pode esconder-se um filme. Dogma 95, para erguer-se contra o cinema de ilusões, apresenta uma série de regras estatutárias: o Voto de Castidade.
Voto de Castidade
1. As filmagens devem ser feitas em locais externos. Não podem ser usados acessórios ou cenografia (se a trama requer um acessório particular, deve-se escolher um ambiente externo onde ele se encontre).
2. O som não deve jamais ser produzido separadamente da imagem ou vice-versa. (A música não poderá, portanto, ser utilizada, a menos que ressoe no local onde se filma a cena).
3. A câmera deve ser usada na mão. São consentidos todos os movimentos - ou a imobilidade - devidos aos movimentos do corpo. (O filme não deve ser feito onde a câmera está colocada; são as tomadas que devem desenvolver-se onde o filme tem lugar).
4. O filme deve ser em cores. Não se aceita nenhuma iluminação especial. (Se há luz demais, a cena deve ser cortada, ou então, pode-se colocar uma única lâmpada sobre a câmera).
5. São proibidos os truques fotográficos e filtros.
6. O filme não deve conter nenhuma ação "superficial". (Em nenhum caso homicídios, uso de armas ou outros).
7. São vetados os deslocamentos temporais ou geográficos. (Isto significa que o filme se desenvolve em tempo real).
8. São inaceitáveis os filmes de gênero.
9. O filme deve ser em 35 mm, standard.
10. O nome do diretor não deve figurar nos créditos.
Copenhagem, 13 de março de 1995
Em nome do Dogma 95,
Lars von Trier
Uns dizem que essa é uma forma de elevar o cinema amador ao estado de arte, outros consideram uma maneira de democratizar o cinema, qualquer um pode fazer um filme, basta ter uma câmera. Os dois primeiros filmes do Dogma 95, Idiotern do Lars Von Trier e Festern do Thomas Vinterberg foram considerados os melhores de 1998. Esses filmes foram feitos em vídeo “e são, enquanto cinema, infinitamente superiores a qualquer centena de filmes cometidos anualmente em película Kodak, cuidadosamente fotografada”, segundo Kleber Medonça Filho crítico de arte que cobriu a X mostra de cinema do rio onde o Dogma 95 foi lançado no Brasil. Não quero entrar em um discurso de exaltação às novas tecnologias que vão destruir a indústria cinematográfica, o cinema comercial e blábláblá, não concordo com esse discurso amnésico. O Dogma 95 é válido por trazer uma forma democrática de fazer cinema, as restrições impostas valorizam os atores e dos roteiristas, os filmes se sustentam nisso, não há firulas tecnológicas para salvar um argumento ruim. Mas será que quem vai ao cinema não quer ver uma mentira? Uma história com um lindo casal em cenários magníficos enfrentando toda sorte de problemas para viver o seu amor? A ilusão faz parte do cinema, o problema está na “venda” dessa ilusão.
Extras:
Essa semana saiu uma matéria na Folha de São Paulo e no jornal O Povo falando que próximo ano deverão ser lançados quatro filmes brasileiros aos moldes do Dogma 95, produzidos pela Pax Filmes. Na verdade a Pax não segue os moldes do Dogma, embora seja influenciada pelos trabalhos dinamarqueses. Em seu blog, Paulo Pons (produtor, roteirista e diretor) deixa claro que a semelhança com o Dogma está em fazer filmes baratos sustentados em um roteiro inteligente, boas atuações e uma equipe engajada, Já é possível ver o making of de Vingança, o primeiro desses filmes, que deverá ser lançado até junho do próximo ano.
http://www.paxfilmes.tv/blog/?cat=3
- Existem 233 filmes nos moldes do Dogma 95, reconheidos pelo site do movimento, são filmes espanhóis, franceses, chilenos, argentinos, italianos, americanos...http://www.dogme95.dk/menu/menuset.htm
- O manifesto do Dogma 95 foi considerado por muitos críticos e cineastas uma estratégia barata de marketing
- Lars Von Trier só fez um filme nos moldes do Dogma
Marcadores: cinema, Darwin Marinho
Escritor por Darwin,
sexta-feira, 28 de dezembro de 2007.
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sexta-feira, 28 dezembro, 2007
Belo texto, Darwin, de qualidade mesmo!
Olha cara, sendo franco, é a primeira vez que tive contato com o Dogma95. Não acredito que esse tipo de prática seja a melhor forma pra uma democratização do cinema - o fato de impor restrições já é algo, no mínimo, paradoxal. No entanto, é uma bela forma de iniciar uma postura alternativa à cena comercial que já estamos habituados. No mais, acho provável ter tido jogada de marketing nisso - e, convenhamos, não há nada errado nisso.
Democratização mesmo seria conscientizar as pessoas para mostrar a elas que cinema nào é só narrativa aristotélica e pronto. Cinema é uma linguagem, e não uma simples Sala de Exibição.. Disso, dá pra retirar muitas coisas, como exibições que passem sensações, tão buscadas por parte da produção experimental.
Nesse ponto, acho que chego numa resposta pra tua pergunta. Quem vai ao cinema quer ver uma mentira sim, mas também poderia querer assistir a algo nos moldes do Dogma95, ou de qualquer outro movimento, ou de qualquer outro tipo de construção e uso da linguagem do Cinema. A grande questão está no fato das salas de exibição terem espaço ou nào para esse tipo de coisa.
E acho que os leitores merecem um post mais desenvolvido sobre essa parte: "A ilusão faz parte do cinema, o problema está na “venda” dessa ilusão.". Por que é problema? Que é que tu acha? :D
Espero ver mais.
sábado, 29 dezembro, 2007
Lars Von Trier: a ótima trilogia da América!
Dogville, Marderlay e o último em produção.
mto bom.
um paraíso perdido
terça-feira, 08 janeiro, 2008
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terça-feira, 22 janeiro, 2008
Grande Darwin!
O texto, o conteúdo... enfim... elogios guardados em montes.
Essas Estórias e esses clichês que o povo fala, acho que restrições, na situação do cinema atual, são mais que necessárias, para fazer das pessoas que acham que sabem de cinema, mais humildes...
na província alencariana tem muito disso, figurões e figurinhas...
para fazer cinema pode ser humilde e talentoso ao mesmo tempo, não precisa fazer Escola em Cuba e nem ao menos ser de semestres ímpares acima de 1 (ou pares acima de 2). Para democratizar essa máquina de arrogância que nos rege, restrições são mais que necessárias. Talvez as pessoas (se forem capazes de raciocinar) pensem: se "Von Trier" prega isso, então... quer dizer que até pessoas de um 1o semestre de comunicação podem fazer cinema!!!
Cinema tem que ser, acima de tudo, pra quem quer...