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O grande santo demoníaco do nosso teatro: Nelson Rodrigues

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Há alguns dias me veio uma inevitável vontade de escrever sobre o maior gênio do teatro brasileiro: Nelson Rodrigues. Não tive dúvidas com a notícia de que duas peças do autor seriam apresentadas esse mês, que seria tema de debate do projeto Pausa Dramática e tema principal da revista BRAVO! da última edição. E não temam o tamanho, pois a vida e o teatro desse homem são deslumbrantes!



Um breve [nem tanto] resumo:
Muitos achariam que Nelson é um pervertido, louco, tarado, revolucionário, exagerado e uma série de adjetivos do gênero. Mas basta citar pequenos acontecimentos de sua vida, misturados com uma incrível sensibilidade, e qualquer um entenderia. As senhoras fofoqueiras, os maridos traídos, as viúvas não-sentidas e mais uma série de casos muitos presentes em suas peças e em suas crônicas, nada mais eram do que retratos de uma vizinhança suburbana muito presente na sua infância. E desde cedo mostrou uma paixão [obsessão, diria] pelas histórias de amor e morte, como uma relação intrínseca. Aos oito anos de idade Nelson escrevera para o colégio, como tarefa de classe, uma redação que contava a história de um homem que ao entrar em casa via sua mulher nua na cama e um vulto de homem fugir pela janela; o marido traído esfaqueia a mulher e depois se ajoelha ao lado do corpo ensangüentado e perde perdão. A professora ao ler a redação quase deixa os óculos caírem e olha Nelson como se nunca o tivesse visto antes. Então ela mostra para outras professoras e logo a porta da sala era um emaranhado de senhoras olhando para Nelson. Percebe-se, então, a obsessão aliada a um gênio de grande percepção desde os oito anos de idade. Um fato marcante e determinante em sua vida foi a morte trágica de seu irmão Roberto Rodrigues. O mais bonito dos quatorze filhos, cursando a Escola de Belas Ates e ilustrador de “Crítica” (o segundo jornal de seu pai). Roberto foi baleado na sala da diretoria do jornal com um tiro no abdômen. O disparo veio das mãos de Sylvia Seraphim, que chegou naquele dia para matar Mário Rodrigues ou seu filho, e assim o fez. Ela fora tema capa daquele dia: com a separação do marido e acusada de adultério. Sua ira, guardada para Mário, fora descarregada com uma bala em Roberto, que não resistiu e morreu alguns dias depois. Aos dezessetes anos, Nelson presenciara a primeira cena violenta de sua vida. E a morte do irmão causou, não só nele, mas em toda família, um grande impacto. Seu pai morrera três meses depois de desgosto pela morte do filho, sempre dizendo “Era para ter sido eu, e não ele”.

Em1916, aos três anos de idade, Nelson viera de Recife com a família morar na então capital do Brasil: Rio de Janeiro. Naquela época o Rio era uma cidade com 2 milhões de habitantes e era aonde as coisas aconteciam. Seu pai, Mário Rodrigues, foi um dos maiores jornalistas na década de 20: um homem valente, sem papas na língua e audacioso. A literatura direta e simples de Nelson traria esses aspectos jornalísticos dessa forte influencia paterna, afinal crescera nas redações dos jornais de seu pai, e os jornais naquela época eram os locais de encontros dos intelectuais. Aos 13 anos começara a trabalhar na redação de “A Manhã”, jornal de seu pai. E a profissão seria levada assim: a literatura e o jornal. Se bem que nem tão separadamente, já que Nelson não considerava essas distinções e aliava uma à outra.

“Nelson é resultado da sucessão de revezes que marcou sua vida pessoal e do jornalismo que praticou desde cedo.” Como assim sugerem na edição desse mês da revista BRAVO!. Todas essas bagagens o incluíram entre os pensadores da década de 30 que achavam importante decifrar o país, junto com Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Hollanda e Caio Prado Júnior. Mas nessa carreata intelectual, o carro de Nelson era a motor, com muita fumaça e em alta velocidade. Ele buscou o Brasil Profundo nos subúrbios cariocas, muito urbano e mostrando uma classe média sem pompons e sapatinhos de cristal. Mostrou e inovou em suas histórias e formatos, tornando-se, não só na minha, mas na opinião de muitos, o maior cronista da historia do nosso país.

No Teatro.

"Nelson Rodrigues representava para o palco o que trouxeram Villa Lobos para a música, Portinari para a pintura, Niemeyer para a arquitetura e Carlos Drummond de Andrade para a poesia". Sabato Magaldi


O Anjo Pornográfico, como chama Ruy Castro em seu livro sobre a vida do autor, foi quem revolucionou o teatro moderno no Brasil, mexendo com toda estrutura dramatúrgica da época. Tratando de paixões exacerbadas e gestos exagerados, obsessões, taras, incestos e conflitos, Nelson pode ser considerado o primeiro dramaturgo brasileiro a levar o inconsciente das personagens para o palco. Escrevera 17 peças ao longo de sua vida, que inovaram no estilo, na estética e na abordagem de temas polêmicos. Na estréia da peça Vestido de Noiva, em 1943, no Teatro Municipal no Rio de Janeiro, Nelson foi aplaudido, mesmo que inicialmente com receio, por vários minutos, sendo consagrado pelos intelectuais da época como Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade.


"Minhas peças têm um moralismo agressivo. Nos meus textos, o desejo é triste, a volúpia é trágica e o crime é o próprio inferno". Nelson Rodrigues

Trouxe, pela primeira vez no teatro brasileiro, a técnica do flashback. Colocou em cena os pensamentos das personagens, com grande profundidade psicológica, criando assim o seu Teatro Psicológico, onde as personagens estão sempre no limite entre a razão e a loucura. As Peças Psicológicas representam um meio termo na obra de Nelson Rodrigues: nem tão complexas quanto as míticas, nem tão realistas quanto às futuras tragédias cariocas.


"A partir de Álbum de Família - drama que se seguiu a Vestido de Noiva - enveredei por um caminho que pode me levar a qualquer destino, menos ao êxito. Que caminho será este? Respondo: de um teatro que se poderia chamar assim - 'desagradável'. Numa palavra, estou fazendo um 'teatro desagradável', 'peças desagradáveis'. No gênero destas, incluí, desde logo, Álbum de Família, Anjo Negro e a recente Senhora dos Afogados. E porque 'peças desagradáveis'? Segundo já disse, porque são obras pestilentas, fétidas, capazes por si sós, de produzir o tifo e a malária na platéia". Nelson Rodrigues

O tratamento denso dado às peças Psicológicas acabou conduzindo o dramaturgo ao universo mágico de suas peças míticas. Nesta intrincada fase de sua dramaturgia, Nelson cria histórias atemporais e cheias de significados míticos, com uma narrativa complexa e as personagens desprovidas de qualquer espécie de censura. Incestos, racismo, taras, paixões, belezas proibidas e preconceitos fazem o texto de Nelson Rodrigues ficar ainda mais polêmico. As peças míticas revelam mitos e arquétipos surpreendentes ao espectador leigo, provocando desconforto na platéia e na crítica, que na época recriminou muito essa fase do autor. Mas foi essa fase que anos depois levaria o autor ao patamar de maior dramaturgo do país.


"Minhas peças são obras morais. Deviam ser adotadas na escola primária e nos seminários". Nelson Rodrigues

Por conta da censura militar no seu Teatro Místico, Nelson começou a escrever peças que aproximavam o teatro da realidade cotidiana. Personagens comuns, banais, retrato exato de algum conhecido nosso. Gírias, frases interrompidas, futebol, malandragem e muitas gargalhas passam a fazer parte do teatro rodrigueano nesta fase chamada de Tragédias Cariocas. Foi a ascensão de Nelson: muitas montagens eram feitas, o autor enriqueceu e pela primeira vez estava escrevendo textos com tons de comédia. Com humor e piadas, Nelson continuou tratando daquilo que sempre guiou o seu teatro: a condição trágica de todo o ser humano.


Mostrou, em toda sua vida como dramaturgo, uma imensa versatilidade e inovação. E por falar em Nelson Rodrigues no teatro, devo convidá-los para o Pausa Dramática e para a peça Toda Nudez Será Castigada.

Pausa Dramática:

Dias 19 e 20 às 19 horas, no Auditório do Dragão do Mar. Grátis. Censura: 16 anos.

Considerado um grande autor teatral, Nelson Rodrigues é também cronista memorialista e romancista. Sua obra insiste em desbravar regiões ocultas e desconcertantes da alma humana. Faleceu em 1980, mas seus textos continuam a provocar o público.

  • Dia 19 - Adaptações de contos da obra A Vida Como Ela É com o Grupo 3X4 de Teatro. Em seguida conversa com o diretor teatral Thiago Arrais.
  • Dia 20 - Adaptações de Valsa Nº 6 e Toda Nudez Será Castigada com o Grupo Cabauêba. Em seguida conversa com a diretora teatral Herê Aquino.


Toda Nudez Será Castigada:

Dias 21, 22 e 23 de junho às 21h no Teatro José de Alencar. Entrada: R$20,00/ 10,00 (torrinha); R$30,00/ 15,00 demais lugares. Montagem da Cia. Armazém de Teatro (RJ). Um grande sucesso de Nelson com um dos melhores grupos do país. Prêmio Eletrobras de Teatro 2006 (melhor iluminação, melhor cenografia e melhor figurino) e indicada a Melhor espetáculo e Melhor Direção. Ou seja, um deslumbre aos olhos e imperdível!




Fontes de Pesquisa:

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“O grande santo demoníaco do nosso teatro: Nelson Rodrigues”

  1. Blogger Dan disse:

    Este comentário foi removido pelo autor.

     

  2. Blogger Wanderson "Wans" disse:

    Cara, isso é que é informação hein?!
    Realmente, Nelson Rodrigues é um escritor/dramaturgo de grande importância para a literatura brasileira. Retratou a vida de forma crua e sarcástica, sua peculiaridade...
    parabéns, o escritor maldito deve estar orgulhoso de você!

     

  3. Blogger Wanderson "Wans" disse:

    Este comentário foi removido pelo autor.

     

  4. Anonymous Anônimo disse:

    Sou admirador desse grande gênio chamado Nelson Rodrigues,o cara sempre manteve a polêmica com brilhantismo e portanto vc ta de parabéns por postar este texto que apesar de longo,não foi cansativo de se ler de tão interessante e estaremos lá no teatro conferindo as peças!
    Valeu!

     

  5. Blogger Saulo Lima Lemos disse:

    Karai q massa
    eu sei q tah grande... mas eu nem acredito q eu li tudo
    ahuahauhauhauhau
    massa msm maHn
    =P

     

  6. Blogger Beatriz Jucá disse:

    Quando se tem uma certa afinidade de pensamento, a decepção se torna praticamente impossível. Eu vi que o tema da Pausa Dramática seria Nelson Rodrigues ontem e hoje vem o Daniel com um texto desses! Adorei!
    Sem dúvidas, Nélson Rodrigues é um ícone da Literatura e do Teatro brasileiro.
    Parabéns, Dan!
    E o que importa não é o tamanho dos textos, mas a qualidade! =]

     

  7. Anonymous Anônimo disse:

    Nelson Rodrigues é realmente um gênio!

    "O teatro para rir, com essa destinação específica, é tão falso e tão amoral como seria uma missa cômica, onde os santos começassem a dar cambalhotas e as coroinhas dessem bananas".(Nelson Rodrigues).

    ps: ta muito bom o texto. parabens cara!

     

  8. Blogger Darwin disse:

    Putz, o Nelson é incrível, ele tá presente na minha vida desde a minha infância... Dan teu texto tá soda,alguns críticos falam do Nelson apenas como mais um dramaturgo polêmico, e o seus textro o tratou como o gênio que ele é.

     

  9. Blogger Marina Rosas disse:

    o texto tá realmente ÓTIMO!
    nem me intimidei pelo tamanho porque sei que quando o daniel fala de teatro sabe do que tá falando!
    bom conhecer um pouco mais sobre a história desse cara que foi tão revolucionário, e ainda hoja chega a incomodar uma sociedade hipócrita!

    muito bom q vai ter peça do nelson por aqui! vou fazer muito esforço pra ir!

    nunca deixe de postar pq seus textos fazem falta!!!

     

  10. Anonymous Anônimo disse:

    Eu li tudo oO

    =X

     

  11. Blogger João Marcos (tomate) disse:

    Uma verdadeira aula sobre o Nelson Rodrigues!

    Valeu Daniel!

     

  12. Anonymous Anônimo disse:

    Nelson Rodrigues era um verdadeiro gênio!!
    Parabéns pelo texto daniel!!!
    Bjo grande!
    =D

     

  13. Blogger Pedro Guimarães disse:

    Daaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaan, demorei mas estou aqui!
    Nossa, o texto ficou muito bom! Alguns errinhos aqui e outros acolá, mas vou me limitar a coentar as informações.
    Parabéns mesmo! Quando se pesquisa, faz-se um trabalho superior. Esse texto excelente, recheado de conteúdo, é fruto de toda a sua paixão pela Nélson. O que acho mais maravilhoso, é que a paixão não te deixa parar, e você fica buscando sempre, lendo tudo que pode, vendo tudo que pode.
    Olha, te admiro mais agora por ver, escrito, tanto que aprendeu. Soube transpor muito bem, e atentou pros fatos mais importantes. Não se aprofundou demais (pelo espaço) mas nem de longe foi superficial.
    Parabéns mesmo, com vontade!
    E eu ainda vou juntar você, Ricardo Guilherme, Thiago B. C., Zeca e mais alguns Nélson-maníacos numa mesa de bar pra ver o que sai disso!
    Beijão! ;D

     

  14. Blogger Roger Quentin Pires disse:

    bem ,
    nao adianta mentir,
    eu só conhecia o Nélson por nome.

    Mas com esse texto deu uma esclarecida mt boa sobre ele e sua importância artistica.

    Nesse texto notei uma admiração do autor (Dan ) pelo Nélson, e qnd escrevemos sobre algo que gostamos é difícil sair ruim...

    *concordo com a Bia, o que importa é a qualidade.

     

  15. Anonymous Anônimo disse:

    texto riquissimo em informação e saudosismo. como sempre, muito bem feito. nelson nunca é demais! ;)
    grande abraço, amigo.

     

  16. Blogger Bruno Bacs disse:

    eu li..
    e se vc nao leu e veio aki nos comentarios pra ver se vale a pena..
    va ler isso correndo! eauhuuhae
    texto tah mto informativo e nem um pouco cansativo.. pelo contrário..
    flui naturalmente e sem excessos...

    eh como se e ele tivesse te contando tudo haeuhueauae

    muito bom mesmo daniel!!
    parabens!!!! massa d+ aprendi paca lendo isso aki!

    =D

     

  17. Anonymous Anônimo disse:

    pqp!

    vo nem mentir q faz quase uma semana q eu tava criando coragem pra ler esse texto ... o tamanho me assustou, e por ser teatro eu pensei logo: "carai, nem adianta ler ... eh capaz d eu não entender porra nenhuma!"

    mas pelo contrario ... adorei o texto?pq não foi tecnico ... foi informativo, historico!ai mandou bem!

    parabens msm!

     

 

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