Assim como disse na semana passada, hoje publico a segunda parte de uma entrevista realizada com Ricardo Guilherme: ator, dramaturgo e diretor teatral. Essa segunda parte foca-se no Teatro Radical, realizado e pesquisado desde 88 por esse gênio.
Para maior entendimento dessa matéria é fundamental a leitura da matéria da semana passada: http://blogemformacao.blogspot.com/search/label/Teatro
3. Quais as características do Teatro Radical?
Ao Teatro Radical interessa descobrir o átomo conflitual da cena. Por isso, a espinha dorsal do nosso processo metodológico vem a ser a busca do conflito radical que sintetiza a peça. Toda a nossa atenção se concentra em função da tentativa de evidenciar esse matricial, gerador e nutriente. O que nos interessa objetivamente não é encenar as situações dramáticas através das quais uma peça se desenvolve, mas sim representar o conflito fundamental, propulsor dessas situações. Para nós as situações são apenas efeitos de uma causa primordial que motiva, nutre e fundamenta todo o desenvolvimento dramático. Neste sentido, o nosso teatro é radical porque objetiva expressar as raízes, ou seja, as causas deflagradoras das situações. Fazemos, portanto, uma abordagem causal e não episódica dos fatos que estruturam uma peça. Para o Teatro Radical há uma dialética estruturante a ser descoberta por determinados procedimentos metodológicos e a ser expressada por matrizes imagéticas que vão traduzir no espetáculo a síntese da compreensão que fizermos. É, portanto, essa compreensão sintética que nós encenamos. Compomos matrizes dialéticas, nucleares, imagens que à medida que vão sendo repetidas vão adquirindo nuances, novas significações, derivações, decorrências da imagem primordial. Aplicamos o conceito de repetição criativa: a ação se repete, mas a repetição lhe acrescenta novos significados. O Radical é, por assim dizer, um teatro cosmogônico, pois se propõe a questionar as origens dos universos conflituais, suas matérias-primas, seus átomos, e a detectar as repercussões dessa espécie de conflito mater em todo o desenrolar da peça.
4. Quais as necessidades que o senhor sentia para criar o Teatro Radical?
Desde 1988, não me motivava a pesquisa da radicalidade do teatro no sentido histórico, de reconstituição dos primórdios do fazer teatral. Até porque sabemos que historicamente o teatro no Ocidente não surgiu como uma modalidade excludente de outras manifestações artísticas, mas sim como uma atividade multidisciplinar. Portanto, minha pesquisa não teria por objetivo o resgate de um teatro primordial mas sim a instalação de um teatro primário, fundado nos meios expressivos do ator, na versatilidade de sua fala e de seu corpo. Não me movia o desejo de reinstaurar o teatro no sentido de remontar às suas feições primordiais, históricas. A proposta do Radical não é fazer o ator reaprender o primeiro teatro, mas fazer o ator aprender e constituir o teatro primário. Para conceituar essa radicalidade, um dos pontos que, a princípio, logo se evidenciou foi a ênfase que deveria ser dada ao caráter de efemeridade do teatro, ou seja, ao fato de que uma encenação radical deveria depender exclusivamente das ações físicas e efêmeras do ator. No Teatro Radical é a figura do ator que instaura todos os significados fundamentais da encenação, criando imagens que estimulem a fabulação do espectador, imagens nas quais o espectador possa projetar a sua subjetividade e intervir com a sua imaginação e o seu discernimento. Essa vocação antropocêntrica e sintética que o Teatro Radical abraça remonta a Artaud e ao Grotovski dos anos 1960, com o seu conceito de Teatro Pobre, e se evidencia, por exemplo, em alguns princípios do Teatro Dialético, de Brecht, e do Teatro Antropológico, de Eugênio Barba. O Teatro Radical reprocessa e redimensiona essa tendência, estabelecendo especificidades teóricas e metodológicas. Mas há na nossa, digamos, bibliografia referencial outros autores, como Câmara Cascudo, Ariano Suassuna, Darcy Ribeiro e o livro O Tao da Física, de Kapra, cuja leitura me foi determinante para o estabelecimento da noção de complementaridade dos contrários.
5. Como o senhor avalia as experiências radicais de outros artistas, como Otacílio Alacran ("Quem dará o veredito?"), Joca Andrade ("Solo número 1 – Babel") e Hertenha Glauce ("Viúva, porém honesta")?
A experiência e as conceituações do Teatro Radical vêm sendo transmitidas às novas gerações. Há alguns grupos que têm o Teatro Radical como referência de estudo para a criação de seus processos criativos. Avalio essa absorção como extremamente salutar porque, além de repassarmos para outros o nosso pensamento, também aprendemos com essa diversidade de compreensões sobre a radicalidade.
6. Todo texto pode ser montado como Radical?
A aplicabilidade do Radical não exige um tipo específico de dramaturgia ou um pré-determinado contexto cultural. Qualquer peça é passível de admitir uma compreensão radical e de se deixar reger pela idéia de síntese conflitual que nós defendemos. As poéticas independem da dramaturgia. Independentemente das estruturas de uma dramaturgia, as possibilidades de concepções cênicas são múltiplas. As encenações são as repercussões de visões de mundo, são os recortes de um determinado entendimento. O Radical aciona os seus específicos mecanismos de entendimento. Trata-se de uma poética e não de uma estética. A sua sistematização, portando, configura uma metodologia que origina as estéticas de cada um dos diretores radicais. No entanto, as concepções formais provenientes da nossa metodologia de trabalho são resultados de opções deflagradas pela criação artística de quem monta esse ou aquele espetáculo na poética radical. O Teatro Radical não é a instituição de um padrão estético a ser clonado; é a instituição de uma estratégia metodológica, pois se estrutura em fundamentos macros, processuais, e não na uniformização dos espetáculos que venham a ser encenados a partir da observação a esses fundamentos.
7. O Teatro Radical ainda produz? O que podemos esperar de novo para os próximos meses?
O Teatro Radical continua, sim, produzindo. Além de montagens recentes, como a de Babel, houve a encenação, agora em 2007, de Teatra, em Brasília. Atualmente, a pesquisa em busca da Radicalidade aborda algumas novas vertentes: as supra-personas, a dramaturgia onidimensional e a dramaturgia modal.
1. As supra-personas são figuras polifônicas que transcendem suas circunstâncias socioculturais. É uma tentativa de desvincular o Teatro da lógica da verossimilhança que circunscreve geográfica e historicamente o universo vivencial das personas. A pesquisa investiga a possibilidade de dar ao criador dramatúrgico total arbitrariedade poética para inventar uma supra-realidade. Busca-se a libertação total do autor no sentido de não fazer mais mimesis, recriações, mas sim criações de uma, digamos, “realidade supra-real”.
2. A dramaturgia onidimensional é uma literatura dramática que agrega os demais gêneros, como ensaio, poesia, crônica, entrevista, reportagem, artigo, crítica etc. Não se trata de acoplar à peça referenciais não-dramáticos de outros autores, mas sim dar oportunidade a que o autor da peça, além da ficção dramática, possa ficcionar em outras modalidades literárias e incluí-las em seu texto. O autor, assim, dramatiza sua abordagem, tendo por base, não apenas a dramaturgia em si, mas múltiplos gêneros. Propõe-se, portanto, a onidimensionalidade de gêneros sobre um determinado tema.
3. A idéia de uma dramaturgia modal é a de criar não peças sobre algo, mas peças que são algo. Em uma dramaturgia modal, a peça - mais do que aludir a uma determinada temática - se converte estruturalmente na tradução textual da temática abordada. Propõe-se uma dramaturgia em que a forma em si mesma transfigura-se no conteúdo. Resulta desta transfiguração uma dramaturgia cujo tema está expresso no modo em que o texto se estrutura.
Como dica de espetáulo deixo o link de um misterioso amante da arte que vem fazendo um trabalho muito interessante para o meio teatral. O Divulgador de Teatro é um perfil anônimo que divulga espetáculos de teatro e dança na cidade de Fortaleza. Quem quiser e puder, confira as programações divulgadas por ele: http://www.orkut.com/Profile.aspx?uid=13801357696647865123
Marcadores: Daniel Bandeira, Teatro
Escritor por Dan,
sexta-feira, 29 de junho de 2007.
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sexta-feira, 29 junho, 2007
Uma rápida explicação: fui postar ontem de madrugada (pois não pude postar antes), mas já havia passado das 00h, e então a Herbenya postou. Mas a matéria dela saiu como datada no dia 28 de junho, então postei hoje, com a data de 29 de junho, como se houvesse havia uma troca. Peço desculpas pelo incidente, e mais ainda à Herbenya. Bjos e abraços!